Entre Ozzy e Ivo: reflexões sobre a vida e a morte

Em homenagem à memória do professor Ivo Cesar Martorano

As sincronicidades dessa vida sempre despertam curiosidade, em meu caso, uma em particular me fez refletir sobre o quão distintos são os nossos destinos neste mundo, apesar de sermos “todos iguais”, membros da mesma espécie, da mesma humanidade. No dia 22 de julho de 2025 morreram dois homens importantes: Ozzy Osbourne e Ivo Cesar Martorano. 

Mas o meu leitor deve se perguntar: “diabo, quem é esse Ivo?” Tenha paciência, caro leitor. Responderei em breve. 

Por ora digo que não consigo imaginar duas vidas tão diametralmente opostas. Ozzy é conhecido no mundo todo. Já o professor Ivo deixará saudades para quantos? Algumas centenas? Talvez um milhar? Não sei dizê-lo. 

Ozzy foi o “príncipe das trevas”, cuja fama abraçou todo o mundo. Ivo foi apenas um pacato professor, que amava dar suas aulas para alunos de engenharia na universidade. Ozzy teve suas músicas ouvidas por incontáveis centenas de milhões de fãs. O professor Ivo, em suas décadas diante da lousa, ensinou no máximo alguns poucos milhares de alunos, a maioria dos quais, suponho, nem lembra mais seu nome, ou no máximo o tem como uma memória distante, que quase nunca sai dos profundos arquivos da mente. 

Não falarei sobre a vida de Ozzy. Você leitor facilmente encontrará tudo sobre sua vida em milhões de fontes acessíveis a um clique. Mas onde poderemos encontrar informações sobre nosso querido professor Ivo? A escassez de informações me impõe escrever estas linhas. 

Conheci o professor Ivo na casa do senhor Jairo Braz, localizada em nossa ilha-capital, num encontro de amigos unidos pelo amor à história do Brasil Império. Foi, inclusive, a primeira vez que fui à casa do senhor Jairo. Dia de memórias agradáveis e inesquecíveis. Foi meu primeiro encontro com aquele círculo de pessoas. Apesar de ser engenheiro civil, o professor Ivo deu uma magistral palestra sobre a história das origens do islamismo. Fervoroso católico, para o professor Ivo a expansão das outras religiões, em detrimento do catolicismo, era a grande ameaça à atual ordem das coisas nessas terras tupiniquins. A profundidade do seu conhecimento me deixou uma impressão que o tempo não apagará. Naquele dia, naquela aconchegante casa, conheci uma grande alma. 

Eu não poderia imaginar que o professor Ivo viria a se tornar uma grande influência em minha vida, um dos melhores amigos que jamais tive. Frequentávamos o mesmo ambiente, a universidade federal, em Florianópolis. Então, os mesmos interesses e uma similaridade de cosmovisão religiosa e política nos uniu numa rara amizade. 

Em certa época, o professor Ivo e eu almoçamos ao menos uma vez por semana, num restaurante nas imediações da universidade. Aqueles encontros não eram meros almoços, eram verdadeiras sessões filosóficas. Nas nossas conversas abordávamos desde as origens da civilização aos destinos futuros de nossa nação. Filosofia, sociologia, história, linguística, antropologia, literatura, ciência política, teologia… Entre o prato de macarrão e a sobremesa, não havia fronteiras para as nossas conversas. 

O professor Ivo estava em todas. Sempre nos encontrávamos em eventos de Florianópolis. Cada encontro era uma oportunidade de ouro para ficar por horas ouvindo sua sabedoria, debatendo sobre grandes temas, refletindo sobre os destinos do Brasil. 

O professor Ivo faleceu aos 70 anos. Tinha, portanto, idade para ser meu pai. Em nosso círculo de amigos, de fato, Ivo representava uma figura paterna. Ele era a voz da experiência; era a voz da sabedoria para aquele círculo de amigos, entre os quais o professor Ivo era o mais velho. Com sua voz tranquila, olhar plácido, aparência frágil e idosa, o professor Ivo encarnava para nós o arquétipo do mestre. Sem sabres de luz ou técnicas de karatê, ele era o nosso mestre Yoda, o nosso senhor Miyagi, pois sempre tinha uma palavra de sabedoria e sensatez. 

Agora, com sua morte, sinto um vazio. Não apenas eu, mas todos aquele círculo de amigos sente o mesmo. Com sua perda reflito e vejo que ninguém substituirá o professor Ivo. Com ninguém consigo ter as conversas que tinha com ele, tão profundas e com um horizonte tão amplo.            

Sempre sentirei saudades das reuniões do grupo de estudos que fundamos juntos na universidade federal. Batizamos o grupo de “Cruz e Souza”, em homenagem ao nosso poeta, e nos reuníamos numa sala da biblioteca central. Tragicamente, veio o grande evento de 2020 e tudo fechou, tudo parou, inclusive nosso querido grupo de estudos. Quando as coisas voltaram ao normal, eu já estava em outra etapa de minha vida, e não retomamos às reuniões do grupo de estudos. 

O que me entristece é que, depois dessa época, vi poucas vezes o professor. Mas as conversas por telefone eram valiosas. O professor Ivo tinha o poder de me prender por horas numa conversa que jamais se tornava monótona, pelo contrário. O Ivo foi dos poucos amigos com quem consegui por horas ter conversas intelectualmente riquíssimas. 

Há alguns meses, após uma missa, nos falamos pela última vez na frente da Catedral de Florianópolis. Seu sonho, seu grande projeto, era terminar as obras de reforma de seu sítio. Com entusiasmo ele me mostrou, em seu celular, as fotos da reforma, uma casa de uns cem anos, que ele estava não apenas reformando, era um verdadeiro restauro que mantinha as características históricas daquela casa.  Cheguei a lhe falar: “Ivo, quando você terminar a reforma, temos que marcar um churrasco lá.” A morte chegou e ele não concluiu a reforma. Nunca fizemos o churrasco. Nunca mais nos vimos… 

Ozzy Osbourne é mundialmente famoso. Bilhões conhecem seu nome. Daqui cem anos suas músicas ainda serão ouvidas, e ninguém mais lembrará do meu saudoso amigo. Mas em minha vida a presença do professor Ivo é muito mais importante. 

4 respostas para “Entre Ozzy e Ivo: reflexões sobre a vida e a morte”

  1. Avatar de Yuri
    Yuri

    Obrigado confrade, acho que externou, em granfe parte. a relação do saudoso monarquista com seus pares.

  2. Avatar de Henrique Neves
    Henrique Neves

    Belo depoimento!
    Sentiremos falta desta pessoa!

  3. Avatar de Leonardo Schwinden
    Leonardo Schwinden

    Muito bem retratado o papel que o prof. Ivo tinha no nosso grupo de estudos Cruz e Sousa. Deixa saudades e o exemplo. Parabéns Antônio pelo registro e a forma que deu a ele.

  4. Avatar de MARIA DE LOURDES ROSSLER
    MARIA DE LOURDES ROSSLER

    Conheci o senhor Ivo só de vista, pois ele estava em alguns eventos dos quais participei. Infelizmente, nunca tive a oportunidade de conversar com ele ou ouvir suas aulas. Que Deus o tenha!
    Parabéns pelo texto. Muito bom!

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