Intelectual ou influencer vendedor de curso?

Chegamos, desse modo, à era bizarra do intelectual que não publica livros, mas é nacionalmente conhecido.

É natural que o intelectual participe da mídia, pois se ele integra o debate público – debatendo as grandes questões de seu tempo – acabará inevitavelmente falando ao grande público. Não há nada de errado, a princípio, na presença midiática do intelectual. Nossos grandes escritores, aqueles que hoje estudamos como clássicos nas aulas de literatura brasileira, publicavam seus artigos em jornais e revistas. Antes, na Europa, pelo menos desde o iluminismo, a presença do intelectual na mídia, nos jornais, é parte integrante da cultura. 

Claro que tal cenário tem seus problemas. Mesmo sendo genial, o intelectual que não conseguia penetrar na mídia não encontrava meios para difundir sua obra e suas ideias. É ingênuo achar que boas ideias e boas obras serão sempre difundidas simplesmente por sua qualidade interna. Não são os melhores intelectuais que conseguem reconhecimento público, mas aqueles aos quais se abrem as portas sagradas do santo dos santos do templo midiático. A mídia era o grande porteiro que dizia quais eram os intelectuais reconhecidos e influentes.

O advento da internet, inicialmente, trouxe algo positivo. O escritor não está mais refém dos grandes jornais, revistas e editoras. Bastava criar um site e ali expor sua obra. O avanço da tecnologia, na passagem do século XX para o XXI, representou um ganho. Digamos que a difusão da cultura e de novos autores foi democratizada. Agora o intelectual não precisava contar com a sorte de ser ungido pela mídia para ter seu lugar ao Sol.    

Com a ascensão das redes sociais, porém, voltamos ao problema da era das grandes mídias de massa. A internet, no seu início descentralizada e positivamente anárquica, centraliza-se nas grandes redes sociais. Voltamos, portanto, ao problema do filtro das velhas mídias de massa. O intelectual que ganha reconhecimento não conquista sua reputação pela qualidade intrínseca do seu trabalho, por meio de sua difusão orgânica. Pelo contrário, aquele que consegue investir em estratégias de marketing digital é o que agora é alçado ao privilégio de participar da cultura oficialmente reconhecida.  

Em nosso tempo, não ganham as melhores ideias e os melhores pensadores, mas as melhores táticas de marketing digital. Chegamos assim ao bizarro cenário de sujeitos que, mesmo sem produção intelectual respeitável, que não possuem uma obra, são alçados ao patamar de grande intelectual pelas novas mídias nas redes sociais. Sujeitos que, literalmente, não publicaram um livro são chamados a falar e a participar do debate público pelas novas mídias. Certos indivíduos até possuem alguma obra publicada, mas são panfletos sem valor algum. 

A venda de cursos online é, em nosso tempo, a principal fonte de renda desses intelectuais. Mas para atrair público, é necessário marketing. Assim, aqueles que investem mais em marketing e acertam na estratégia midiática, ou mesmo dão sorte de estar no lugar certo e na hora certa, atraem mais público para seus cursos. Contudo, o objetivo do marketing é vender e lucrar o máximo que puder, independentemente da qualidade real do que é vendido. Nesse cenário, o que importa é projetar uma imagem, é parecer, não realmente ser. Acontece que alguns são bons marqueteiros, ou contratam um, e se alçam ao estrelato intelectual mesmo sem realizações intelectuais concretas. 

Chegamos, desse modo, à era bizarra do intelectual que não publica livros, mas é nacionalmente conhecido. Essa figura, esse pseudo-intelectual, dá entrevistas vistas por multidões, participa de eventos badalados, vende milhares de assinaturas de seus cursos online, mas não publica livros, nem tem uma obra séria que dialogue com alguma tradição cultural.          

Esse sujeito não é um intelectual. É uma farsa, ou, na melhor das hipóteses, é um marqueteiro de sucesso, um vendedor de curso, não um pensador relevante de fato. 

Tal é o dilema de nosso tempo: a confusão entre a atividade intelectual genuína e o mero marketing digital.   

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