Escrito por Leonardo Schwinden*
O que deveria ser o momento mais solene do culto religioso – o ápice da devoção – tornou-se para mim um ponto de frustração crítica. Enquanto caminhava em direção ao altar, tentava acompanhar um hino popular, “O Meu Reino Tem Muito a Dizer” (de Frei Fabretti e J. Thomaz Filho). A música é cativante, mas o ritmo impõe uma velocidade que faz as grandes ideias teológicas passarem como flashes. O hino fala do rico insensato: “Insensato, que valem tais bens, se hoje mesmo terás o teu fim? Que tesouros tu tens pra levar além?” A reflexão é profunda, mas a pressa me obrigava a engolir as sílabas para não perder a cadência. A Palavra estava sendo, literalmente, sacrificada pela melodia.

As pessoas não sabem o que perderam com o esquecimento e o abandono do Canto Gregoriano! O paradoxo da música sacra popular: belas melodias que, por seu ritmo apressado, destroem a força do texto.
Essa experiência me remeteu aos anos em que estudei e pratiquei o Canto Gregoriano em um pequeno coro na Catedral Metropolitana de Florianópolis, sob a regência do maestro Jeferson Bittencourt e o apoio do Padre Luiz Chang. Ali, a diferença de qualidade espiritual e técnica era gritante. O núcleo da crise na música de culto é o abandono da Prosódia: o respeito milenar ao ritmo natural do texto. No canto popular, a melodia é a tirana; ela é rígida, impiedosa, e exige que o texto se curve a ela.
Veja o verso de “O Meu Reino”: “Insensato, que valem tais bens, se hoje mesmo terás o teu fim?…” A melodia, com sua rigidez métrica, força a subversão do acento natural do português, como se as palavras estivessem presas à escravidão do compasso. A Palavra é, assim, esmagada. Para entender o que o Canto Gregoriano oferece, basta olhar para um exemplo clássico: a antífona “Oculi ómnium” (Os olhos de todos).
Na súplica “Oculi ómnium in te sperant, Dómine” (Os olhos de todos esperam em Vós, Senhor), o canto faz uma pausa contemplativa. A melodia (o neuma) se curva ao texto. O acento tônico da palavra de súplica “Dómine” é adornado com um belo e demorado melisma (várias notas sobre a sílaba).
Isso não é mero floreio musical, mas um ato teológico e prosódico: o melisma recai sobre a sílaba tônica (“Dó”), respeitando a gramática do latim. A melodia, ao invés de apressar a súplica, a alonga e a embeleza. O ritmo é ditado pelo sentido da oração, não pelo relógio musical. O canto gregoriano é uma extensão orante da fala, dando peso, tempo e dignidade à mensagem espiritual.
O erro fatal da música de culto moderno foi preferir melodias inflexíveis, que nos fazem lutar contra o próprio texto, em vez da ciência que nos ensina a meditar a Palavra e a dar-lhe o seu peso. A popularidade de um canto jamais deve ser seu critério de adequação. A verdadeira renovação exige que os compositores recuperem o discernimento prosódico. Nossa tarefa é clara: assimilar a sabedoria do canto antigo para que a música volte a ser um instrumento de elevação. Se a canção nos força a lutar contra o texto para ser cantada, ela já falhou. Nossa tarefa é fazer a música voltar a nos ajudar a orar.
*Leonardo Schwinden é doutor em filosofia e professor.

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