O inconsciente e a civilização

INTRODUÇÃO:

Podemos especular que estamos nos aproximando do que fora, em tempos de outrora, conhecido como a Era de “Sodoma e Gomorra”. A mitologia todos conhecem, mas poucos se dão conta de que ciclos semelhantes ocorreram entre diversos povos ao longo da história. Trata-se de um contexto de cunho dualista entre o caos e a ordem, do qual pretendo explicar um pouco sobre como esse paradoxo parece governar, desde sempre, a nossa existência.

Presumo que cultura humana venha progredindo em espirais cíclicas de discernimento, aonde apenas alguns seletos grupos de sábios é que almejam algum tipo de “conhecimento perene” das coisas. Tanto as multidões, polarizadas entre a fé que as educam e as paixões que as movem, como as elites, que se valem da sua popularidade (com as primeiras) para governar e alcançar poderes e glórias, estão todos, em sua maioria, a mercê de seus propósitos imediatistas e pretensiosos.

Tenho procurado entender melhor as forças envolvidas no processo de criação e manutenção da civilização, pois infelizmente acredito estar testemunhando uma aparente perda desse que é, sem dúvidas, o maior ativo da humanidade. Estamos vivendo um verdadeiro microcosmo tecno-bárbaro que está destruindo a consciência e a organicidade da sociedade como a conhecemos. Estamos perdendo a noção do justo, do ético, do virtuoso e até mesmo (pasmem) da própria beleza!

Aos que se sentem um pouco perdidos em minha posições a respeito do tema eu sugiro que leiam o meu artigo anterior “Patriarcado e Civilização” aonde explico de forma dedutiva a mais provável origem do homem civilizado como (ainda) conhecemos.


O DUALISMO NA CONCEPÇÃO DA CONSCIÊNCIA E DA CIVILIZAÇÃO

Estamos no dia 2 de novembro de 2025, e o número “2” tem um significado importante em várias tradições filosóficas. Eu costumo entender o número 2 como o número da “dualidade” e do “movimento”. Quando falamos sobre inconsciente e civilização estamos falando sobre 2 contextos aparentemente opostos. O inconsciente é a nossa parte psíquica primitiva e instintiva, enquanto “civilização” é a obra maior protagonizada pelo nosso consciente, mas com a cumplicidade do nosso inconsciente! Aparentemente, o inconsciente é quem provoca o consciente a buscar soluções para o seu contexto caótico e irracional. Em outras palavras, o caos aparente sugere a busca pela ordem!

Também existe a conotação do número 2 com a ideia de “correspondência”, pois muitos considerarem que este seria o segundo princípio hermético dentro da convenção (controversa) do “Caibalion”. Nesse contexto de correspondência, o conceito de “civilização” estaria associado à ideia de se tentar materializar na Terra uma humanidade que se assemelha ao paraíso das divindades que idealizamos (ou acreditamos) estarem no céu (perfeição divina). Até mesmo a alegoria do Jardim do Éden, na leitura de muitos, sugere que a “queda” seja, na verdade, o início de um processo de materialização (correspondência céu/terra) do que nossa consciência progressivamente idealiza a respeito da ordem dos céus.

Nesse caso, o “paraíso” do Éden poderia ser, na verdade, uma ideia ambígua e controversa sobre a idealização de dois paraísos inicialmente separados. O primeiro paraíso seria o Divino (Céu), aonde seríamos entes conscientes, dotados de livre-arbítrio, mas imateriais e sem o jugo das necessidades terrenas. O segundo paraíso seria a própria Terra, mas puramente material, sem qualquer organismo dotado de consciência e livre-arbítrio, portanto, sem responsabilidade ou culpa por seus próprios atos. A “queda” seria, então, a junção paradoxal e completa dessas 2 realidades, principalmente no organismo humano.

Aparentemente outros animais também possuem algum nível de consciência, mas certamente em níveis ínfimos em comparação ao da espécie humana. Essa discrepância é bastante óbvia quando testemunhamos os avanços da tecnologia e da cultura humana em relação ao estado de aparente estagnação das demais espécies, inclusive dos primatas, nossos primos mais próximos na ancestralidade biológica (conforme postula os darwinistas).

Dentro de cada um de nós existe uma batalha interna entre nosso inconsciente e o nosso consciente. O inconsciente, mais primitivo e impulsivo, governa nossos instintos, desejos, paixões e necessidades. A consciência, atribuída aos mais evoluídos estágios da evolução cognitiva na biologia (darwinismo), como também dotado de atributos divinos (livre-arbítrio), embora seja constantemente influenciado (ou tentado) pelo inconsciente, governa nossos julgamentos, princípios e virtudes. É válido postularmos que é preciso grandes esforços para que a consciência tenha o máximo de autonomia sobre o inconsciente. Sabemos que uma sociedade governada pelos instintos e pelas paixões rapidamente deixa de ser uma civilização e torna-se bárbara ou até mesmo selvagem.

Dentre as diversas abordagens psicológicas sobre nossa estrutura psíquica, duas delas sempre me influenciaram muito na forma de enxergar o ser humano. A primeira delas é justamente a abordagem predominante neste artigo, neste dualismo entre inconsciente e consciente, do qual me baseio bastante no legado da psicologia analítica de Carl Jung. A segunda, mais moderna e inserida em um contexto darwinista, é baseada na teoria do “cérebro trino”, proposto pelo neurocientista Paul D. MacLean, que divide o cérebro (inclusive morfologicamente) em três partes distintas: o cérebro reptiliano (instintos básicos), o sistema límbico (emoções e memórias) e o neocórtex (cognição superior).

Eu também gosto da abordagem esotérica de comparar o homem à esfinge tetramórfica (besta), correlacionando nossas principais divisões psíquicas (e corporais) a elementos da alquimia (fogo, água, ar e terra) e dos 4 animais da esfinge (leão, águia ou escorpião, homem e touro). Nesta abordagem o homem (elemento ar) governaria os demais animais dentro de suas correspondentes correlações, muito semelhantes à abordagem do cérebro trino: fogo-leão-paixões, águia-água-intelectualidade, terra-touro-instintos. Neste contexto também nos deparamos com outra abordagem derivada desta como o dos 4 temperamentos (fogo-colérico, água-melancólico, ar-sanguíneo e terra-fleumático).


AS ARMADILHAS DO RACIONALISMO

Apesar do meu apreço pela abordagem esotérica e darwinista, devo dizer que pela minha leitura elas estão seriamente corrompidas pelo vírus revolucionário. As ordens iniciáticas, como também a própria comunidade científica, estão impregnadas de mentes cada vez mais pretensiosas, soberbas e irresponsáveis. Os esotéricos (junto com toda uma classe de pseudo psicólogos ou suas derivações ainda mais rasteiras como “coaches” ou “influencers”) se utilizam dos estudos do inconsciente para convencer as pessoas a desistirem das virtudes, pois os “desejos e paixões” não podem ser mais reprimidos! Já os “divulgadores da ciência”, paradoxalmente contando com o apoio dos “criacionistas” através do debate tacanha entre “evolucionismo x criacionismo”, estão conseguindo demolir os últimos pilares da moral cristã, ao mesmo tempo em que colocam a própria verdadeira ciência em cheque.

Durante anos participei de forums sobre divulgação científica e ceticismo, e até temas de cunho darwinista que corroboravam com a moral cristã eram sumariamente censurados. Falar sobre as diferenças físicas e (principalmente) psíquicas entre homens e mulheres, mesmo à luz da evolução, eram desvirtuados e censurados pelos administradores e toda uma turma de feministas e ativistas lgbt pertencentes à “patotinha”. Até mesmo tentaram “impor” veganismo nas comunidades agnósticas e atéias como um lobby de apoio à ideia de que “os ateus são moralmente superiores aos crentes”. Eu era chamado de “pseudo-cético antropocentrista” por comer carne e defender os devidos papéis sociais de homens e mulheres na sociedade.

Eu sempre enxerguei o cristianismo (mais especificamente a Igreja Católica) como guardiã dos princípios civilizacionais do ocidente. Não sou convertido e não frequento igrejas ou cultos, mas reconheço que compreender a civilização cristã e resistir às paixões revolucionárias e utópicas é um DEVER de qualquer cidadão que preza a coerência. Torço, inclusive, para que a Igreja consiga recuperar sua pujança através dos ensinamentos de seus principais patriarcas como Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho, e de papas como Pio XII.

Não existe civilização sem o domínio sobre as paixões e os vícios. Inclusive, não suportamos tantos prazeres! A própria ciência sugere isso através dos diversos estudos sobre os efeitos nocivos do excesso de estímulos sobre a nossa sensibilidade à dopamina, que levam pessoas à compulsão por diversos entorpecentes: álcool, açúcar, jogos, sexo e parafilias, analgésicos etc. Também não existe liberdade total, nem igualdade e muito menos a ideia estapafúrdia de “fazer o bem, não importa a quem”. A verdade é que “a minha liberdade acaba onde começa a liberdade do outro”, assim como “o rico que começa na pobreza não quer que seus descendentes também comece pobre”, e também ainda “faço o bem principalmente a quem sei que é do bem e me quer bem também”. Fica fácil entender que o lema revolucionário “liberdade, igualdade e fraternidade” é uma grande utopia, repetida por gerações, que provoca uma profunda disrupção cognitiva nas multidões e nas próprias elites.

Vale lembrar que diversas civilizações se consolidaram ao longo das eras, muito antes das últimas descobertas e abordagens científicas sobre a natureza humana. Além disso, o grande equívoco (ou pretensão) dos revolucionários é acreditar que é possível, em tão pouco tempo, construir novos valores baseados em postulados recentes da ciência ou da filosofia crítica. O mais prudente seria utilizar das ferramentas modernas para justamente COMPREENDER a civilização, sempre priorizando a atitude investigativa antes da crítica ou de pretensões reformistas.

Considero notório que os revolucionários, na verdade, estejam realmente se utilizando dos paradoxos para sacudir e alimentar as mentes com suas ideologias utópicas e apaixonantes. Esses pseudos intelectuais (sofistas) se utilizam de pretextos “reformistas”, prometendo “soluções racionais e coletivas” (em contraste com o pessoal e espiritual) para os paradoxos da condição humana, como se fosse possível fazer da civilização um império de direitos e prazeres terrenos infinitos. Com isso, as pessoas perdem a noção de equilíbrio entre direitos e deveres, liberdades e responsabilidades, que são as bases que regem a boa convivência entre as pessoas, famílias e comunidades.


A BELEZA COMO FORMA DE INTEGRAÇÃO CIVILIZACIONAL

É óbvio que é muito tendencioso postular que o propósito da beleza seja o de integrar o indivíduo com a civilização. A verdade é que a beleza é algo intrínseco na natureza e na existência, e é percebida como sendo agradável, acolhedor e próximo da perfeição. A beleza é percebida pelos nossos sentidos, seja pela audição de uma boa música, ou a apreciação de uma escultura, o cheiro de um bom perfume, ou até mesmo de uma boa comida. E mais ainda… A beleza é percebida pelos versos de uma poesia bonita, um texto bem escrito, ideias bem colocadas, ou mesmo virtudes expostas em filosofia e “positivadas” em boas leis! A própria história, como ferramenta de conhecimento, possui sua beleza artística, expondo estratégias, fatos, êxitos e fracassos de vilões e heróis, assim como as solenidades atuais de formação ou homenagens (mesmo póstumas), dentro de um contexto de beleza moral e cívica que toda sociedade precisa para se manter! Enfim… Não caberia neste artigo os diversos contextos de beleza!

Eu gosto muito de música, de sons, de equipamentos de som, recursos sonoros, botões e painéis. Gosto de compor, tocar teclado, mixar e até masterizar músicas. Não sou especialista, mas desde criança sempre fui muito detalhista e entusiasta. Adorava alugar CDs e gravar minhas músicas favoritas em fitas K7 (tenho mais de 200 delas ainda comigo). Eu prestava muita atenção nas gravações, e percebia que era impossível uma fita K7 conseguir gravar sons agudos com tanta fidelidade igual ao CD e o vinil. Me frustrava um pouco, mas eu me conformava, pois eu sabia o que eu estava escutando, e conseguia apreciar a beleza, apesar das imperfeições de alguns albuns mal masterizados ou até pequenos defeitos em fitas K7.

Gravar fitas K7 era um exercício de busca de perfeição! Encontrar o melhor volume para gravar com o menor ruído, mas sem saturar. Conseguir equilibrar os canais esquerdo e direito para que fiquem com volumes equivalentes (pois muitas fitas tinham problema de “drop out”, aonde era necessário fazer compensação no volume e no bias da gravação para que não ficasse um canal mais alto ou mais abafado do que o outro). Calcular o tempo das faixas para que não sobrasse muita fita em cada lado, e para isso eu costumava alterar a sequência das faixas de modo a melhor se encaixar nos 60 minutos das fitas (que na verdade costumavam ser 61 minutos, tendo em média 30 minutos e meio de cada lado). Além disso, eu lidava constantemente com a frustração de não conseguir escrever os encartes das fitas com uma letra muito bonita, pois mesmo escrevendo em letra de forma com caixa alta, às vezes eu errava ou escrevia torto. Eu era apenas um garoto de 13-14 anos, e havia ganhado um “tape-deck” da gradiente, modelo DS-40, que gravava muito bem, apesar de ser praticamente uma “sucata”, pois não tinha como regular o bias da fita cromo sem desregular a fita ferro e vice-versa… Devia ser algum problema muito específico, dentre outros, pois nenhum técnico havia conseguido resolver. Então, frequentemente eu tinha que abrir o aparelho e regular para fazer as devidas compensações de bias.

Já nos anos 90 as músicas começaram a despencar em termos de beleza, gravação, masterização e significado. Na época eu já percebia isso, mas hoje eu tenho certeza. Eu sei, por exemplo, perceber quando que a gravação de uma mesma música de rock ou pop é dos anos 70, 80 ou 90, simplesmente por causa do estilo de masterização e volume, que cada vez têm aumentado por conta do famoso “loudness war”. Sim, a prioridade mercadológica influenciou até mesmo a masterização dos álbuns, aonde a sensação de “volume alto” substituiu cada vez mais o apreço pela pureza do som e da dinâmica de variações de volume entre os instrumentos e passagens de uma música. Hoje em dia as gravações são extremamente altas e com pouca dinâmica, e saturadas de efeitos sonoros distorcidos. Nem preciso dizer sobre a decadência na qualidade das melodias, letras e arranjos… Antes as letras eram poéticas, com letras e clipes com linguagem onírica que embelezavam nossas percepções. Hoje as músicas são grosseiras, primitivas, com apelo excessivo à vulgaridade, com pouca riqueza de melodia e arranjos e letras cada vez mais estúpidas.nt

Antigamente a música era uma forma de integração artística nos filmes, novelas, programas de TV, propagandas e eventos em geral. Me lembro até hoje da sensação de apreensão de ver meus colega de Karatê participando de um campeonato, cujo músicas como “Winds of Change (Scorpions)” e “Lonely is the night (Airsupply)” figuravam ao fundo, com eco, daquele ginásio que parecia imenso. Acredito que eu seja afortunado de ter crescido sob influência de boas “músicas de fundo” em diversas ocasiões. Quando somos crianças temos uma percepção maior de “infinitude” das situações, inclusive das músicas que acompanham nossos momentos nessa fase. E também na fase adulta, quando escolhi a música “Separate Ways (Journey)” como tema do meu recebimento do certificado de conclusão da minha faculdade, ou as músicas que tocavam nas baladas como Lupus Beer, El Divino, New Time etc.

Infelizmente, a decadência artística, assim como a decadência da beleza em geral, é tendência moderna! As pessoas estão se vestindo mal, as mulheres (até mesmo as mais novas) estão gordas e embrutecidas (não querem mais agradar os homens, nem visualmente), os carros estão feios e com aspectos excessivamente arredondados e pouco viris… Até as cores dos brinquedos estão esquisitas, com menos tons de vermelho, amarelo e azul, mas com combinações toscas de marrom com roxo etc.

Tenho pra mim que quando as pessoas não se importam com a beleza, certamente é porque já estão no caminho de não se importarem mais com virtudes e princípios. Enjoados ou revoltados, as pessoas cada vez mais buscam apreciar o feio… Talvez por que a feiúra seja mais “inclusiva” e facilmente alcançada. Você pinta de qualquer cor, come qualquer coisa… É um crescente “tanto-faz” para o belo, mas um crescente “mimimi” para com os desafios de se chegar à beleza, seja ela artística ou moral de se cumprir deveres e dar bons exemplos!


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A civilização é o maior ativo da humanidade, pois sem ela estaríamos vivendo o eterno abandono da nossa consciência em meio ao caos de nossas paixões, necessidades e falta de propósitos. A civilização é a assinatura da parte divina do homem que deveria governar a Terra, domando suas paixões, combatendo seus vícios e atenuando suas discórdias. E rogo para que o pouco que ainda nos resta dessa obra divina/humana sirva para que sobrevivamos o tempo necessário para reconstruí-la, pois o seu colapso é iminente!

O meu otimismo reside na premissa de que esse arrefecimento dos ideais civilizatórios venha servir justamente para despertar o interesse genuíno dos intelectuais em procurar inteligir sobre as verdadeiras bases da natureza e da civilização humana, sem as distrações dos sofismas e das ideologias. E que mais pessoas consigam extrair as boas vontades do inconsciente e colocá-las a serviço das virtudes da consciência, para que as boas obras sejam realizadas com boa aventurança. Essas sempre me pareceram ser as bases reais que sustentam a humanidade civilizada como obra de Deus.

Rogo também pela redescoberta do belo, seja objetivando agradar os sentidos básicos (em nível inconsciente), como também alimentar nossa intelectualidade com boas ideias, verdades e virtudes que nos impulsionam a construir impérios e consolidar civilizações com consciência!

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